Artigo: Fraternidade e Fome – “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt14,16)

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Por: Paulo Cesar Cedran*

Pela terceira vez ao longo dos sessenta anos em que se realiza a Campanha da Fraternidade no período da quaresma no Brasil, a Igreja em 1975, 1985 e este ano 2023, nos convida a refletir sobre o tema: “Fraternidade e Fome” e sobre o lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer.” A urgência com que este tema se coloca para sociedade brasileira neste ano, foi radicalizada pela pandemia da Covid-19 que enfrentamos a partir de março de 2020 e que deixará marcas por décadas em nossa sociedade e no mundo. Mas este problema que paradoxalmente já poderia estar resolvido na fase atual em que se encontra a sociedade mundial, escancara ainda mais sua face mais cruel, sob um mundo globalizado e excludente. O  Texto -Base indicado para subsidiar as reflexões sobre o tema nesses quarenta dias que antecedem a celebração da Páscoa propõe logo em sua apresentação que apoiado nas palavras do Papa Francisco, digamos sem rodeios: “Não há democracia se existe fome.”(MANUAL DA CF 2023, pg.12). Assim para nos introduzir a Campanha da Fraternidade, temos que nos encontrar neste período quaresmal como num tempo favorável para conversão, a mudança de hábitos e atitudes que nascem de forma individual, mas não pode ser apenas uma atitude individualista. Pois a Campanha da Fraternidade não é sobre a quaresma, mas uma campanha que aproveitando-se dos exercícios de piedade: jejum, esmola e oração acrescenta uma dimensão social a este processo individual de encontro com Deus. Se até o século XIX, as misérias que dizimavam o homem, tinham com muita frequência uma origem natural, hoje elas derivam em sua grande maioria da ação humana. Portanto, a fome e a subalimentação são obstados pela prioridade do mercado e pela primazia do lucro. O direito humano à alimentação adequada(DHAA) é um dos direitos que os seres humanos possuem única e exclusivamente, por terem nascido e serem parte da espécie humana. Decorrem, pois, da dignidade da pessoa criada à imagem e semelhança de Deus. Assim o texto-base pontifica: “A alimentação saudável não pode ser considerada apenas uma questão de solidariedade. Ela é um direito. E como tal, deve ser garantida pelo Estado a todos os seus cidadãos (MANUAL DA CF 29). No Brasil 33 milhões de pessoas enfrentam a situação de fome. São 15% da população brasileira. O Texto-Base lista e explana as causas da fome no país: estrutura fundiária, política agrícola a serviço do sistema econômico e financeiro, desemprego e subemprego, perversidade da política salarial, busca egoísta do dinheiro e do poder, desmonte do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional(SISAN) e Companhia Nacional de Abastecimento(CONAB). Essa conjuntura leva a se estabelecer uma geopolítica da fome identificada na década de 1970 pelo sociólogo Josué de Castro e que está muito associada à questão da água, da moradia e do crescimento demográfico. Essa combinação perversa gera violência no campo e na cidade, doenças crônicas, desnutrição e má nutrição. As principais vítimas desta conjuntura gerada pela insegurança alimentar são as crianças que passam a ter comprometidos o seu desenvolvimento físico e cognitivo, o que afeta a memória, a atenção e a aprendizagem de linguagens. Os idosos e as gestantes correm risco de morte com a insegurança alimentar. Diante desse cenário o que podemos e devemos fazer? Listando uma série de medidas no agir para transformar a realidade da fome o Texto-Base propõe ações no âmbito pessoal como por exemplo praticar a partilha na família, na escola e no trabalho e colaborar nas campanhas para a arrecadação de alimentos. Para o ambiente eclesial, as ações são voltadas às diversas pastorais presentes na igreja com destaque a ação número 12: “Envolver-se em iniciativas ecumênicas e interreligiosas de mobilização da sociedade para a superação da miséria e da fome e a promoção da agricultura familiar agroecológica.” ( MANUAL DA CF p.88). Também são propostas ações sociopolíticas no âmbito da sociedade civil, governo municipal, governo estadual e governo federal. Dessa forma estaremos correspondendo a ordem de Cristo para que como seus discípulos aprendamos que para segui-Lo precisamos cumprir o que Ele nos disse: “Dai-lhes vós mesmos de comer!”, pois como disse São João Crisóstomo: “Que proveito resulta de a mesa de Cristo estar coberta de taças de ouro, se Ele morre de fome na pessoa dos pobres? Sacia primeiro o faminto, e depois adornarás o seu altar com o que sobrar.” E concluímos com as palavras do Mestre: “… todas as vezes que fizestes isso a um destes mínimos, que são meus irmãos, foi a mim que fizestes. “(Mt 25,35.40). Vivamos a Campanha da Fraternidade em espírito de conversão pessoal, comunitária e social.

*Paulo Cesar Cedran é Mestre em Sociologia e Doutor em Educação Escolar.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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